Aparências de virtude
Todas essas coisas, você acha que são virtudes? Podem ser, todas elas, mas nem sempre. Mais ainda, como veremos a seguir, podem ser pseudovirtudes que enganam, como as miragens no deserto, que aparecem à imaginação dos que morrem de sede como se fossem lagos azuis.
Há vários critérios, muitos deles
dados por Cristo, para desmascarar as falsas
virtudes. Veremos a seguir alguns deles. Mas acho bom preveni-lo: com
isso, não queremos convidar ninguém a
pensar nos defeitos dos outros! Basta que identifiquemos os nossos.
Para melhor
desmascarar as miragens, façamos
uma classificação.
Tipos de miragens
Para serdes vistos!
Esse para diz tudo: fala das virtudes praticadas com uma
finalidade vaidosa, que pode ser dupla.
Lembre que, no Sermão da Montanha, Ele nos manda praticar a esmola sem tocar a trombeta, sem que a mão esquerda saiba o que faz a direita, e assim teu Pai que vê o escondido, te recompensará.
Igualmente, não quer que oremos – que façamos as nossas práticas religiosas – para sermos vistos pelos homens, visando criar uma boa imagem espiritual, que os outros admirem, e talvez aproveitar-nos dela. Quantos rapazes e moças não fizeram isso para arranjar na igreja namorada(o) bonzinhos.
Por fim, recomenda fazer sacrifícios sem “ar de vítima”, sem dar-nos importância nem cobrar o agradecimento dos demais: Quando jejuares, perfuma a tua cabeça e lava o teu rosto; assim, não parecerá aos homens que jejuas (cf. Mt 6,2 ss). Virtude vaidosa não é virtude.
B) Virtudes-espelho. A vaidade funciona também como um espelho onde nos contemplamos, no íntimo de nós, com admiração e orgulho. Como fazia aquele de quem falava São Josemaria, que dedicou um livro a si mesmo, escrevendo: «A mim mesmo, com a admiração que me devo» (Sulco, n. 719). Ao envaidecer-nos com as nossas qualidades, estragamos o bem que possa haver nelas.
Por causa disso, Jesus reprovou o fariseu que subiu ao Templo intimamente ufano com as suas “virtudes”: Graças te dou, ó Deus, porque não sou como os demais homens: ladrões, injustos e adúlteros; nem como este publicano que está ali. Jejuo duas vezes na semana e pago o dízimo de todos os meus lucros (cf. Lc 18,9-14). O publicano, tão desprezado, só agradecia a bondade de Deus e pedia perdão. Este voltou para casa justificado, e não o outro (Lc 18,9-14).
E nós? Que me diz de nós quando repetimos “eu não tenho pecado”, “não faço mal a ninguém”, “não preciso me confessar”? Não há uma certa semelhança com o fariseu?
2) Os hábitos rotineiros
Jesus se refere a eles quando cita estas
palavras do profeta Isaías: Este povo somente me honra com os lábios, mas o seu
coração está longe de mim (Mt 15,7;
Is 29,13). E também quando censura
os mornos: Não és nem frio nem quente...
Tenho
contra ti que arrefeceste o teu primeiro amor (Ap 3,15; 2,4).
Não há virtude “viva” na pessoa rotineira, que não tem amor criativo nem renovação de atitudes.
3) As inclinações temperamentais
Há outros que parecem ter virtudes excelentes, mas que não são virtudes, são apenas bons sentimentos ou inclinações temperamentais. Fazem coisas boas porque lhes “saem” sem esforço, porque correspondem ao seu “natural”, porque lhes são agradáveis e até os divertem. Quantas fachadas simpáticas têm essas características!
Mas, nestes
casos, por trás da fachada veem-se
dois sinais típicos da falsa virtude:
— o segundo sinal consiste em que eles têm dupla face. Fora de casa, dão vazão, por exemplo, à simpatia e a camaradagem temperamentais (por vaidade, ou simplesmente por prazer), mas em casa – onde mais do que o temperamento, é precisa a abnegação – são insuportáveis. Fazem lembrar aquela história do velório de um marido beberrão e violento, que fazia da esposa um saco de pancadas. Os amigos de boteco rodeavam o caixão, compungidos, e comentavam de longe: “Que homem! Grande amigo! Era a amabilidade em pessoa! Sempre pronto para ajudar, bom coração...”. A esposa, ao ouvir isso, arregalou os olhos e pediu ao filho mais novo: – Joãozinho, vá até o caixão e veja se o defunto é mesmo seu pai...”.
Talvez a esses Jesus diria: Sepulcros caiados, que por fora parecem
formosos, mas por dentro
estão cheios [...] de hipocrisia e de iniquidade (cf.
Mt 23,27-28).
4)
As virtudes-fogueira
Lembro-me do que contavam há bastantes anos algumas pessoas que, infelizmente, foram mobilizadas para participar de uma guerra. Durante os combates, havia jovens soldados que mostravam exemplos espetaculares de bravura, de renúncia, de coragem.
Mas, ao chegar o tempo de paz, eram incapazes de vencer a pequena batalha de acordar na hora certa para chegar pontualmente às aulas na faculdade.
Também no Evangelho temos exemplos claros disso. São Pedro, na Última Ceia, diz a Jesus, com veemência, de coração: Darei a minha vida por ti! (Jo, 13,37), Ainda que seja preciso morrer contigo, não te renegarei! (Mc 14,31). Horas depois, não consegue nem acompanhar Jesus na oração no Horto, e o Senhor tem que lhe dizer: Simão, dormes? Não pudeste vigiar uma hora? (Mc 14,37). E, após a prisão de Cristo, foge e nega-o três vezes. Tinha virtude emocional, ardor de bons sentimentos, mas faltava-lhe a firmeza da verdadeira virtude.
São muito apreciáveis essas virtudes emotivas, mas só elas – por mais sentidas que sejam – não fazem nem santos nem bons cristãos. O bom perfume das virtudes cristãs, como lembra São Josemaria, «faz-se sentir entre os homens, não pelas labaredas de um fogo de palha, mas pela eficácia de um rescaldo de virtudes: a justiça, a lealdade, a fidelidade, a compreensão, a generosidade, a alegria» (É Cristo que passa).
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