Antigamente, quando as
crianças recebiam as primeiras instruções na fé católica, elas aprendiam a
rezar uma fórmula denominada “ato de fé”. As versões da oração variam um pouco,
mas uma delas, indulgenciada pela Igreja e facilmente encontrada na internet,
diz o seguinte:
Eu creio firmemente que há um
só Deus, em três pessoas realmente distintas, Pai, Filho e Espírito Santo.
Creio que o Filho de Deus se fez homem, padeceu e morreu na cruz para nos
salvar e ao terceiro dia ressuscitou. Creio em tudo o mais que crê e ensina a
Santa Igreja Católica, porque Deus, Verdade infalível, o revelou. Nesta crença
quero viver e morrer.
Trata-se de uma oração simples e em plena conformidade com o que professamos no “Creio”, mas, tragicamente, muitos de nossos católicos não seriam mais capazes de fazê-la, pelo menos não de coração sincero e acreditando realmente em tudo o que ela diz.
Afinal de contas, muitos de nós aprendemos no colégio que uma coisa é Jesus Cristo, que veio ao mundo e, como adoram dizer, “não fundou religião nenhuma”; e outra coisa é a Igreja Católica, que apareceu muito tempo depois e que está “cheia de erros”, “de pecados” e de não se sabe mais o quê.
Para boa parcela de nossos católicos hoje, crer em “tudo o mais que crê e ensina a Santa Igreja Católica”, assim, sem mais nem menos, sem saber detalhadamente do que se está falando, soará como “fé cega”, obscurantismo medieval ou até coisa pior.
Mas não tem nada a ver com isso. O problema da “pulga atrás da orelha” de muitos católicos deve-se a um fator chamado ignorância. Infelizmente, nossas catequeses não têm sido muito eficazes em ensinar, tanto a crianças e jovens quanto a adultos, o que seja realmente a realidade da fé.
Por isso, vamos explicar, primeiro, com um exemplo do nosso mundo. Suponhamos que você não tenha ido jamais à Dinamarca. Um grande amigo seu já foi e dá testemunho: ela existe. O seu atlas geográfico, produzido por gente bem mais entendida que seu amigo, também retrata a Dinamarca no mapa da Europa: ela existe. Há por que duvidar? Certamente não. Ainda que nunca tenha posto os pés em território dinamarquês, você é capaz de admitir sem muita dificuldade: “Sim, eu creio, a Dinamarca existe”.
Com a fé católica acontece algo semelhante. Quando dizemos todos os domingos na Missa: “Creio”, o que estamos dizendo é que acreditamos nas verdades reveladas por uma pessoa muito mais confiável que seu melhor amigo e muito mais sábia que o mais competente cientista: Deus.
A comparação com a Dinamarca, como se pode ver, tem seus limites. A fé que prestamos a Deus é de natureza totalmente diferente da que temos na Dinamarca:
Primeiro, porque, como visto,
quem nos revela a existência da Dinamarca são seres humanos, falíveis e capazes
de enganar (imagine, por exemplo, que todos os geógrafos estivessem
“conspirando” em relação à Dinamarca); na fé católica, porém, quem nos revela as
coisas é a própria Verdade, Deus, “o qual não pode enganar-se nem enganar” a
ninguém [1].
Segundo, porque a Dinamarca é
uma realidade humana; as verdades que dizem respeito a Deus, no entanto, todas
superam a própria natureza criada, são sobrenaturais.
Como consequência desta
segunda diferença, temos de admitir a dificuldade que existe, de nossa parte,
em crer nas verdades sobrenaturais, que transcendem a nossa capacidade
racional. Por essa razão, mais do que um simples esforço humano, todo ato de fé
que o homem realiza só pode acontecer por ação da graça divina. Todo católico
que diz com sinceridade: “Creio”, é tocado invisivelmente pela mão de Deus, que
ajuda a sua inteligência e fortalece a sua vontade a dar um “sim” a tudo o que
crê e ensina a Santa Igreja Católica.
Mas a expressão “tudo o que crê e ensina a Santa Igreja Católica” ainda permanece difícil e insiste em incomodar. É necessário aceitar tudo mesmo, sem restrições? E a Igreja mesma, como entra nessa “equação” da fé?
Para responder a essa questão, é preciso recordar o modo escolhido por Deus para nos revelar as suas verdades. O princípio da Carta aos Hebreus diz que, “muitas vezes e de muitos modos, Deus falou outrora a nossos pais, pelos profetas. Nestes dias, que são os últimos, falou-nos por meio do Filho” (1, 1-2). Depois de todas as revelações que vemos contidas no Antigo Testamento, então, Deus “selou” seu contato com a humanidade, por assim dizer, enviando-nos seu Filho, Jesus Cristo.
Ora, já que com isso Ele quis
salvar todos os homens, e não só os de dois mil anos atrás, era necessário que
fosse instituído um meio, visível e do qual as pessoas pudessem facilmente se
servir, para sua mensagem permanecer preservada ao longo das gerações. Esse
instrumento, como ficará claro a quem estudar as Escrituras e investigar a
transmissão dos ensinamentos dos primeiros cristãos, é nada mais nada menos do
que a Igreja.
A Igreja presente na pessoa dos Apóstolos, a quem foi dito: “Tudo o que ligardes na terra será ligado no céu, e tudo o que desligardes na terra será desligado no céu” (Mt 18, 18), e ainda: “Quem vos ouve, a mim ouve; quem vos rejeita, a mim rejeita, e quem me rejeita, rejeita aquele que me enviou” (Lc 10, 16); e presente especialmente na pessoa do Papa, o único a quem foi dito: “Tu és Pedro e sobre esta pedra edificarei a minha Igreja, e as portas do inferno não prevalecerão contra ela. Eu te darei as chaves do Reino dos Céus: tudo o que ligares na terra será ligado nos céus, e tudo o que desligares na terra será desligado no céu” (Mt 16, 18-19), e ainda: “Confirma teus irmãos” (Lc 22, 32), e enfim: “Apascenta as minhas ovelhas” (Jo 21, 16).
Ao instituir a Igreja, Nosso Senhor quis dar aos homens a segurança de que aquilo que Ele tinha ensinado a seus discípulos seria propagado fielmente. Para isso, Ele mesmo cuidou de dar aos Apóstolos a assistência do Espírito Santo (cf. Jo 16, 7-15) e de garantir-lhes sua presença até a consumação dos séculos (cf. Mt 28, 20).
De fato, até o presente, o
único grupo de cristãos que crê nas mesmas coisas e rejeita as mesmas coisas,
como acontecia na Igreja primitiva, é a Igreja Católica. O protestantismo,
desde que nasceu, dividiu-se em um sem-número de filiais sem uniformidade alguma
de fé nem de culto.
O problema da Igreja, como se
vê, não é muito difícil de confrontar. Quem quer que se dedique a um estudo
sério e desapaixonado de sua história e de sua doutrina, verá que não é
possível haver verdadeiro cristianismo fora da religião católica. Nas breves
palavras de um filósofo citado certa feita pelo Pe. Leonel Franca: “Se o
Messias já veio, devemos ser católicos; se não veio, judeus; em nenhuma
hipótese, protestantes”.
Vejamos agora, então, o porquê
do “tudo”. Por que só é realmente católico quem aceita “tudo o que crê e ensina
a Santa Igreja Católica”?
Nada que Santo Tomás de Aquino não resolva [2]. Sim, é preciso aceitar tudo. E a razão é muito simples. Se o que Deus quis revelar à humanidade para a sua salvação está confiado de uma vez por todas à Igreja Católica, com segurança inabalável, garantida pelo próprio Senhor, alguém ainda duvida que devemos crer em “tudo o que ela crê e ensina”?
É evidente que não se trata de defender todo e qualquer ato ou declaração feito por um Apóstolo, por um bispo ou mesmo por um Papa. Pedro, por exemplo, “negou” Jesus três vezes. Quem ousaria dizer que essa sua atitude seria um modelo a se seguir ou, pior ainda, uma parte do Magistério infalível da Igreja?
Quando nos referimos às coisas que se devem crer, estamos falando daquilo que ficou definido, desde os tempos apostólicos, no Credo; das verdades de fé que foram solenemente proclamadas pelos Pontífices Romanos ao longo da história [3]; e das realidades que foram incontestavelmente definidas por Nosso Senhor nos próprios Evangelhos.
Quem quer que se dedique a um estudo sério e desapaixonado do assunto, verá que não é possível haver verdadeiro cristianismo fora da religião católica.
Porque, se Deus nos revelou tudo o que é necessário à nossa salvação e confiou este “depósito da fé” à Igreja, não nos é lícito pegar uma ou duas verdades e dizer: “Aceito todo o resto, mas com isto eu não posso concordar”.
Não, o nome disso é heresia. É
o pecado de quem quer “escolher”, das verdades que foram reveladas por Deus,
aquela que lhe desagrada ou que não lhe cai bem. Ou acreditamos tanto na
virgindade perpétua da Virgem Maria quanto na indissolubilidade do Matrimônio
ou, então, somos católicos à nossa própria medida, e não à medida de Cristo.
Fonte: Padre Paulo Ricardo
Comentários