Vivemos numa “época sem precedentes”. Esta frase, repetida
com tanta frequência, não apenas tomou as manchetes dos jornais e adornou os
lábios de muitos apresentadores, mas também se tornou um mantra sempre presente
em nossos encontros cotidianos. “Época sem precedentes” descreve o
desconcertante conglomerado de caos político, tensões religiosas e uma sociedade
conduzida por uma pandemia.
Porém, são
precisamente épocas como esta que estabelecem um precedente para vocações à
vida contemplativa: o Império Romano desmoronava, enquanto S. Bento
compunha sua regra monástica. O Grande Cisma do Ocidente atormentava o papado,
enquanto S. Catarina de Siena fazia penitência pela regeneração da Igreja. As
religiosas do Carmelo de Lisieux morriam de gripe asiática, enquanto S.
Teresinha rezava pela saúde e regeneração da Europa.
Em poucos meses, seguirei esse precedente, deixando para
trás a vida que conheço a fim de entrar como postulante entre as irmãs
dominicanas contemplativas do Mosteiro de Nossa Senhora das Graças, em North
Guilford, Connecticut. Para mim, essa parece ser a melhor resposta que posso
dar ao nosso atual contexto social e à vida, em sentido mais amplo.
Mas talvez essa ideia não seja tão bem compreendida quanto
eu esperava. Ao compartilhar essa intenção com outras pessoas, tenho recebido
de amigos, familiares, conhecidos e estranhos um número cada vez maior de
perguntas em tom de perplexidade, todas elas questionando minha decisão de
entrar para um mosteiro. — Por que eu faria isso justamente agora? Por que eu
gostaria que minha última experiência do “mundo” fosse a de uma sociedade
conduzida por uma pandemia? Por que, em meio ao caos do ambiente político e
religioso desta época, eu me trancaria num claustro? — Alguns sugerem que uma pessoa só faria tal escolha com o objetivo de
fugir dos problemas do mundo. Outros veem nisso uma negação heróica das
coisas “mundanas”. Essas respostas erram o alvo.
É justamente o desejo de me dedicar a esta “época sem
precedentes” que fortalece minha determinação de buscar uma vida como religiosa
dominicana contemplativa. Não entrarei
num mosteiro para fugir do mundo nem para mostrar uma falsa piedade.
Entrarei na vida religiosa a fim de seguir a minha vocação particular, através
da qual poderei realizar mais perfeitamente minha missão como membro cristã da
sociedade humana. Ao renunciar às coisas do mundo, uma religiosa afirma de modo
radical a realidade do bem e do mal no mundo. Ao entrar para o claustro, ela se
torna livre para penetrar com mais profundidade o sofrimento de um mundo que sofre.
E, ao fechar os olhos na oração, ela é
capaz de abrir seu coração para um mundo desesperadamente carente.
Um dos lemas da Ordem dos Pregadores é contemplare et contemplata aliis tradere (“contemplar e transmitir aos outros as coisas contempladas”). Depois de discernir pela primeira vez a respeito da vida contemplativa, não sabia ao certo como esse lema se manifestaria na vida de uma irmã de clausura. Hoje, compreendo que é por meio de uma vida contemplativa que me comprometerei de modo pleno e frutífero com um mundo sofredor. Por meio de uma vida de oração e penitência e afastada do mundo, uma irmã contemplativa está intimamente unida em solidariedade àqueles que sofrem no mundo. Esta solidariedade é definida pela oferta plena de si em prol de um bem muito maior do que ela mesma; é um derramamento de sua vida de oração e penitência pelo bem comum do mundo ao redor dela. É por meio desta solidariedade que ela cumpre sua vocação: contemplare et contemplata aliis tradere.
O Papa S. João Paulo II afirma exatamente isso em sua carta
apostólica Salvifici doloris:
É necessário,
portanto, cultivar em si próprio esta sensibilidade do coração, que se
demonstra na compaixão por quem sofre. Por vezes esta compaixão acaba por ser a
única ou a principal expressão do nosso amor e da nossa solidariedade com o
homem que sofre (...) Pode-se dizer mesmo que se dá a si próprio, o seu próprio
“eu”, ao outro. Tocamos aqui um dos pontos-chave de toda a antropologia cristã.
O homem “não pode encontrar a sua
própria plenitude a não ser no dom sincero de si mesmo”. Bom Samaritano é o
homem capaz, exatamente, de um tal dom de si mesmo (n. 28).
Toda pessoa é chamada a viver uma manifestação específica
desse “sincero dom de si” por meio de sua vocação pessoal: os pais sacrificam o
próprio conforto em prol dos filhos; os profissionais da saúde põem as próprias
vidas na linha de frente em prol da saúde e do bem-estar dos outros; os membros
do clero são obrigados a viver à altura do desafio de viver e pregar a verdade,
não importa a que custo. Eu, junto com minhas futuras irmãs, sou chamada a
participar de todos esses sofrimentos de modo sobrenatural, por meio do dom da
vida contemplativa.
Religiosas contemplativas são chamadas a oferecer orações
pela mãe exausta que não consegue rezar após uma noite em claro com seu filho;
a fazer penitência pelo homem que está morrendo sozinho e precisa da graça da
conversão; a ajoelhar-se diante do Santíssimo Sacramento e implorar pela paz em
nossa nação e pela fertilidade da Igreja. Como religiosa, usarei minha vida
para unir todos esses sofrimentos ao sofrimento de Cristo na cruz. Cristo
fez-se homem e sacrificou sua vida humana pela salvação da humanidade. Dentro
das muralhas do mosteiro, religiosas sacrificam suas próprias vidas humanas e
as unem à de Cristo, levando assim toda a humanidade para Ele, e Ele para toda
a humanidade.
Assim que eu entrar no mosteiro, minha “janela” para o mundo
consistirá numa pequena abertura na grade da capela onde está o ostensório com
o Santíssimo Sacramento. Literalmente, verei o mundo exterior através de
Cristo. Que expressão perfeita da vida religiosa que eu desejo buscar! G. K.
Chesterton escreveu o seguinte: “O voto é para o homem o que o canto é para o
pássaro ou o latido para o cão; é a voz pela qual ele é conhecido” (The
Barbarism of Berlin). É na busca por uma vida com os votos de pobreza,
castidade e obediência no interior das silenciosas muralhas do claustro que
desejo ser escutada.
Por isso, estou seguindo o precedente de S. Bento, S.
Catarina e S. Teresinha nesta “época sem precedentes” e entrarei para um
mosteiro em 2021. Porque às vezes precisamos abandonar o mundo para amá-lo.
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