A Era das Mentes Dispersas
Estamos não só emburrecendo, como
também nos tornando menos humanos e cada vez mais doentes. O problema não é
conectar-se, mas não saber se desconectar.
1- Concentração
Talvez você já tenha passado pela
seguinte situação: pegar um livro para ler e não conseguir. Às vezes é preciso
ler várias vezes o mesmo parágrafo, porque a concentração está difícil de
alcançar. Noutras se lê uma página e minutos depois não recordamos o que lemos.
De parágrafo em parágrafo sentimos o impulso de pegar o celular para checar se
há algo novo. Então nos recordamos de que antigamente era tão fácil sentar e
ler um livro por horas a fio, enquanto hoje mesmo dispondo de tempo não
conseguimos realizar essa proeza.
Nossa atenção está fragmentada.
Estamos continuamente fazendo várias coisas ao mesmo tempo e talvez não
concluindo nenhuma ou concluindo sem esmero. Parte é culpa do mito de que somos
multitarefa, mas a grande culpa mesmo é dos celulares/tablets/computadores.
Ao usar um desses dispositivos temos
mudanças de foco da nossa atenção todo o tempo. São horas diariamente gastas em
treinar nossos neurônios a mudarem de foco de atenção todo o tempo. Os olhos
ávidos em ver e o cérebro viciado em descarga de dopamina querem continuamente
as novidades. Por isso você puxa seu feed inconscientemente esperando algo novo
e nem sabe porque fez isso. Você começa a fazer algo e no meio da atividade
volta para o celular e então para a atividade. Você pula de aplicativo em
aplicativo por minutos, mesmo sabendo que não há nada de novo ali.
Até mesmo os textos de blogs estão
ficando obsoletos para nossa atenção superficial. O cérebro desaprendeu a se
aprofundar, a ler com continuidade e paciência. Hoje estamos mais passando os
olhos do que lendo algo. Fica a impressão de que somos cultos mas a verdade é
que estamos longe de sermos sábios ou até mesmo simples pessoas que tem alguma
memória.
Se estamos conversando com alguém,
nossa cabeça pode estar continuamente nas nuvens e ignorando a realidade. Nossa
atenção já foi mais exclusiva.
Muitos acreditam que o problema é
questão de método de estudo, mas estamos muito mais embaixo. O problema é a
atenção fragmentada. Ela não nos deixa fazer e concluir simples tarefas, não
nos permite ler nem reter o que foi lido. Especialmente não nos permite rezar.
A atual explosão da tecnologia
digital não apenas está mudando a maneira como vivemos e nos comunicamos, mas
está alterando rápida e profundamente nossos cérebros. O medo de perder alguma
coisa (informação, novidade, etc) – em inglês, ‘fomo’ (fear of missing out)–
causa angústia e ansiedade nesses novos tempos aonde tudo parece ser urgente.
2- Resolver problemas
O homem não é somente cocriador com
Deus quando procria, mas também quando entrelaçando sua vida em união com Deus,
torna-se autor seguro de sua própria vida.
Essa capacidade criativa é em grande
parte responsável pela resolução de problemas no nosso dia a dia, pelos
ajustes, pelas transformações que fazemos no ambiente e em nós mesmos, pelos
insights de projetos e obras, pelas novidades.
Não existe criatividade em uma mente
passiva que está habituada a receber tudo pronto, acostumada a que resolvam e
faça tudo por ela. Por isso os filhos devem ser criados para a autonomia, longe
das telas que os deixam imbecis e abobados, enfrentando e testando o mundo
concreto em que habitam.
Não é à toa que tantas pessoas não
consigam se mover na vida e estejam viciadas em ficar acompanhando sem parar as
redes sociais e o Google: elas atrofiaram e perderam a sua capacidade criativa.
A mente fica folgada e torna-se incapaz de pensar, de resolver coisas simples e
óbvias do cotidiano. Além da passividade, o excesso de informações estressa o
cérebro. É no ócio mental, naqueles momentos curtos e aparentemente
improdutivos – porém altamente relaxantes para os neurônios – que a mente
cria.
Essa insistência em querer uma
fórmula mágica que resolva nossos problemas de forma fácil e rápida é um
sintoma característico das mentes superficiais, passivas e dispersas. Nossos
cérebros estão tão preguiçosos que até mesmo o ato de pensar estamos
terceirizando para qualquer jornal, influencer, amigo, programa de tv, ou quem
quer que seja.
Estamos cada vez mais baratinados sem
saber para onde ir, desesperados sem saber como mudar ou por onde começar,
simplesmente porque estamos afogados em informações rápidas. Tudo o que é
profundo nos causa fadiga e deixamos para depois.
3- Descansar
Você se sente continuamente cansado,
esmagado pela correria do dia, como quem passa o dia cumprindo tarefa atrás de
tarefa? Sente que os dias correm e não te sobra tempo para respirar? Você se
sente irritado, com mau humor, ansioso, depressivo e que a vida parece se
resumir em apenas carregar um fardo muito pesado? Muitas pessoas se sentem
assim mesmo tomando todas as medidas espirituais e humanas para sanar os
problemas de esgotamento físico e mental.
Com o surgimento dos celulares e da
internet móvel, um novo fenômeno começou a nos tocar. Quando falamos sobre
prejuízos da tecnologia estamos dizendo sobre uma mudança do padrão neuronal
que modula nossos pensamentos e nossas ações a acontecerem no ritmo dos
cliques.
Talvez você já tenha tido essa
experiência: começa a arruma a cama, para e vai pra sala guardar um livro,
volta e arruma mais um pedaço da cama, vai pra cozinha e tira a carne pro
almoço e etcetc. As nossas ações começam a seguir o padrão dos nossos dedos
incansáveis que clicam aqui e ali a todo instante, mudando com facilidade o
foco de atenção. Até os nossos pensamentos tornam-se picotados e ficamos com
muita dificuldade em estender um pensamento longo ou profundo devido a falta de
concentração.
Temos a falsa ideia de que a todo
instante temos de estar produzindo algo, mas a grande verdade é que são os
momentos de ócio mental que nos dão refrigério para a mente e calma para os
dias. Se passamos o dia inteiro sem pausas mentais, pulando de tarefa para
tarefa, ficamos corridos e cansados.
Muitas pessoas sentem-se exaustas,
com um cansaço insuperável. Fazem dietas, suplementam, praticam exercícios,
rezam, mas a melhora continua pequena. Acontece que o cansaço mental é muito
mais exaustivo do que o físico. Até porque mesmo atividades físicas de alto
impacto geram em nós a produção e liberação de hormônios prazerosos e relaxantes.
O que acontece então?
Hoje ignora-se a necessidade de pausa
mental, de ócio e de tédio. Não digo a respeito do ócio e tédio ruins que nos
levam a ser preguiçosos e pecar, mas daqueles momentos relaxantes, calmos e
tranquilos em que a nossa mente divaga, às vezes não pensa em nada, noutras
contempla, enfim, não exige dela uma concentração ou atividade focada, os
pensamentos podem fluir livremente.
O acesso constante a tecnologia (tv,
computador, celular, etc) deixam a nossa mente em ritmo acelerado e sem pausas
para reflexão e relaxamento neuronal (dos neurônios mesmo, aquelas células
maravilhosas que promovem a transmissão dos impulsos nervosos). O que isso
significa na prática? Que nosso cérebro está em constante atividade sem
conseguir descansar – e muitas vezes permanece assim até mesmo enquanto
dormimos, por isso levantamos cansados embora estejamos dormindo horas
suficientes.
Por estarmos contaminados pelo
ativismo, acreditamos que a todo instante devemos estar ocupados com algo:
lendo, ouvindo, assistindo. Sendo que para a nossa mente conseguir descansar,
ser criativa, resolver problemas, ativar a memória de longo prazo, refletir,
ela precisa de momentos aparentemente improdutivos.
O uso consciente de tecnologia nos
reinsere no ritmo natural da vida: calmo e lento. Nos traz de volta a memória,
aumenta a inteligência, descansa nosso corpo e mente, nos reintegra ao nosso
cotidiano, nos devolve o olhar amoroso e paciente diante da vida, nos faz dar
real dimensão e proporção às coisas.
Temos a falsa ideia de que assistir
um seriado nos descansa mais do que fazer uma caminhada ou de que rolar o feed do
instagram é mais relaxante e divertido do que conversar com quem está ao nosso
lado ou ler um livro ou simplesmente olhar o céu. Estamos contaminados pelo
mito de que a tecnologia é melhor e mais eficiente do que a vida analógica. A
tecnologia nos ajuda muito, quando bem usada. Senão, somos inconscientemente
arrastados pela torrente dos seus malefícios.
Sei que muitas pessoas tem o hábito
de fazer algo manual enquanto ouvem alguma palestra. Mas as pesquisas mostram
que a memória de longo prazo não é ativada dessa forma. Por isso estamos constantemente
atrás das mesmas informações e não conseguimos consolidar o que supostamente
aprendemos. Menos é mais quando o assunto é informação. Busque apenas o que
precisa e aplique isso em sua vida. De nada adianta saber tanto se isso
continua teórico e abstrato.
Nosso cérebro fica estressado por ter
de ficar pulando de tarefa para tarefa, de um foco para outro. Ou lavamos a
louça ou ouvimos a palestra, se queremos fazer as duas coisas bem feitas. Esta
é uma face da virtude da ordem. Já ensinava São Josemaria: “Faz o que deves e
está no que fazes”. Não é só um dos segredos da produtividade, mas também da paz
de espírito.
4- Você se sente imóvel?
A realidade nos traz as reais
necessidades que temos e não as que acreditamos ter. Através dela temos os
ganchos para buscar ajuda e conhecimento. A Grande parte dessa sensação de
imobilidade é porque você não confia em você mesmo. Você não acredita que pode
crescer, que você pode ser criativa, que você pode fazer o melhor, que você
pode ter a felicidade dentro da sua realidade. Você acaba acreditando que as
pessoas das redes sociais são melhores do que você. Sendo que você pode ser
muito melhor do que elas.
Você sente que sem acompanhar tantas
coisas, você estará de fora de algo, contudo não percebe que ao andar tão
distraído focado no que não é real (pra você), você deixa a vida real passar.
Você está fora de você mesmo, da sua vida, da sua família e acredita que essa
ilusão é que é o bom. Estou repetindo bastante a palavra ‘você’ para que você
entenda.
O uso do celular é a nova chupeta
emocional dos nossos tempos. Também a televisão, o trabalho, o computador, os
jogos, etc, podem ser. Mas com o celular em mãos ficou muito mais fácil
evitarmos o duro combate de enfrentar a nós mesmos. O celular é usado para
suprir ansiedade, provocando mais ansiedade. Para esquecer a depressão gerando
mais depressão. Briga com o namorado e já abre a nova maratona de seriados. Se
você tem um problema, já corre para desabafar com alguém – e geralmente se
arrepende. Você briga com as pessoas por qualquer equívoco nas mensagens on-line.
Você não quer fazer as tarefas e vive procrastinando, mas se somar o tempo que
passa na telinha, vai se surpreender. Tudo isso vai atrofiando a nossa
personalidade e a nossa autoestima. Ficamos reféns do que o outro diz, ficamos
com medo de enfrentar nossos sentimentos, ficamos com preguiça de viver.
Para absorvermos algo, temos de
dialogar com o conhecimento que recebemos. Temos de degustar, parar, reler,
ouvir de novo, meditar, refletir. Na era da tecnologia, com as redes sociais
estamos apenas como consumidores passivos, como se estivéssemos sentados no
sofá de boca aberta aceitando que as pessoas joguem qualquer coisa para dentro
do nosso íntimo. Por isso precisamos assumir as rédeas de um uso ativo da
internet. Essa passividade não ajuda a nos esforçarmos, mas sim nos torna
preguiçosos. Também porque o próprio mecanismo de funcionamento das redes
sociais tende a nos deixar depressivos ou ansiosos. Muitas vezes queremos mudar
ou construir algo em um acesso de euforia, mas a potência da vontade é uma
energia calma e lenta.
Muitas pessoas sentem-se frustradas e
paralisadas diante de tanta informação. Pense que quanto mais conhecimento
aleatório você acumula, mais vai consolidando um muro diante de si, que fica
cada vez mais difícil, angustiante, que dá medo de escalar e ultrapassar. Mas
se temos a frente apenas uma pequena fileira de tijolos, rapidamente
conseguimos dar o salto. Não se esqueçam também de que muitos conhecimentos que
as pessoas nos dão através da internet podem estar fragmentados, seja por
estratégia de venda (já reparou como quase ninguém te ensina o processo de
<<como>> alcançar algo?) seja por ser um assunto que a pessoa
domina superficialmente.
Confie mais em você!
5- É preciso voltar para as cavernas?
Não há uma regra geral. Vamos aplicar
o princípio “Tanto quanto” de Santo Inácio:
“Deste modo,
segue-se que o homem deve usar [coisas materiais] tanto quanto o ajudarem para
o seu fim, e deve livrar-se delas tanto quanto elas o impedirem [de fazer
isso].”
E qual é o fim do homem?
“O desejo de Deus
é um sentimento inscrito no coração do homem, porque o homem foi criado por
Deus e para Deus. Deus não cessa de atrair o homem para Si e só em Deus é que o
homem encontra a verdade e a felicidade que procura sem descanso”
(Catecismo da Igreja Católica, 27)
Existem pessoas que escolherão com muito
proveito sair definitivamente das redes sociais e usar a internet de forma bem
limitada. Mas acredito que a maioria dos casos necessite apenas de reordenar o
uso. Uma boa estratégia de início é tirar um tempo fora de tudo para colocar as
coisas em seu devido lugar. Afastando-nos do ruído conseguimos enxergar melhor
e definir estratégias.
Depois, há algumas coisas que ajudam
bastante como seguir poucos perfis e que sejam úteis (nada de ficar
acompanhando vida privada dos outros), estabelecer tempo de uso e com objetivo,
anotar dúvidas e buscá-las em momento oportuno e já pré-estabelecido, deixar o
celular com as notificações do aparelho desativadas, não usar o celular quando
estiver conversando com outras pessoas e por aí vai. De acordo com seus problemas
e as suas necessidades, você vai estabelecer as estratégias que precisa.
Para ajudar a resolver esses problemas, reserve durante o dia alguns momentos para se desconectar totalmente. É de muito proveito desligar o celular durante algumas horas, como por exemplo antes de dormir e durante a noite, e só ligar após executar as primeiras ações do dia. Além disso, lembre-se de usar o celular por motivos objetivos e não para suprir momentos de tédio ou para evitar enfrentar suas emoções.
Adaptado do texto do Blog Lírio Entre Espinhos
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