Não posso prová-lo, mas tenho a forte impressão de que, hoje, o ateísmo é a posição “padrão” dos americanos bem educados, relativamente ricos e com menos de 40 anos.
Quando falo de ateus, penso em três categorias:
(1) os ateus sinceros, pessoas bastante francas em relação à sua descrença;
(2) os ateus tímidos, também conhecidos como agnósticos, que não creem em Deus, mas gostam de dizer a si e aos outros que são tolerantes em relação ao assunto (embora não o sejam);
(3) os ateus indiferentes, cuja
convicção da inexistência de Deus é tão grande, que não se importam em atribuir
ao seu estado de espírito o rótulo de ateu ou agnóstico.
Também deveríamos observar que
o ateísmo tem muitos “companheiros de viagem” semiateus entre protestantes,
católicos e judeus progressistas.
Antigamente, era necessário
algum esforço para ser ateu nos Estados Unidos. Era preciso realizar certo
esforço mental e moral. A pessoa tinha de se rebelar contra a existência de
Deus, uma coisa dada por certa. Além disso, era preciso encontrar razões para
rejeitá-la. Finalmente, faltava coragem ou obstinação para aderir a essa
perspectiva, apesar de ela contar com poucos apoiadores.
Em contrapartida, é fácil ser
ateu nas primeiras décadas do glorioso século XXI. Quase tão fácil quanto
respirar.
A situação mudou. Hoje, é a
pessoa religiosa bem instruída que tem de se rebelar contra a ideia de que Deus
não existe, o que é, agora, dado por certo. É a pessoa de fé que precisa
encontrar razões para rejeitar a descrença. É o teísta que precisa ter coragem
ou obstinação para aderir à sua crença num ambiente altamente secularizado e
hostil a ela.
A menos que alguma grande
revolução religiosa ocorra, é provável que o ateísmo se dissemine nos níveis
menos instruídos e privilegiados da sociedade. Existe uma espécie de princípio
segundo o qual as crenças e valores das elites culturais da sociedade cedo ou
tarde se disseminam entre as massas, ainda que de forma diluída. Na Idade
Média, por exemplo, as crenças e valores cristãos dos sacerdotes, monges e
freiras se espalharam entre as massas semicristianizadas, ainda que o
cristianismo das massas fosse diluído com muitas doses de heresia e
superstição.
Nos grandes dias da atividade
missionária dos jesuítas, estes compreendiam que, se quisessem converter uma
sociedade para o catolicismo, teriam de começar não pelos camponeses, mas pelo
rei e a corte. Converta-se o rei, e o campo logo se converterá também.
Em resumo, em poucas décadas
os Estados Unidos poderão ser uma sociedade em que elites ateias liderarão
massas semiateias. Já é possível antever a formação dessa estrutura social.
Elites ateias tendem a predominar em nossas grandes instituições dedicadas à
“educação cultural” do público: instituições como o jornalismo, a indústria do
entretenimento e as nossas melhores faculdades e universidades.
Tudo isso é bastante estranho,
já que, ao longo da história da espécie humana, algum tipo de teísmo (ou
politeísmo) foi praticamente universal. Quase todas as pessoas acreditavam em
Deus (ou em deuses). Quase todos acreditavam que algum poder (ou poderes)
divino sobrenatural governava o mundo.
Isso funcionou assim por
tantos milênios, que alguns criteriosos pesquisadores concluíram que os seres
humanos são religiosos por natureza. Há algo em nossa natureza que nos impele a
crer em Deus (ou deuses). O ateísmo, portanto, era algo raro e artificial. Mais
ou menos como a homossexualidade.
Naturalmente, por vivermos
numa época extraordinária de esclarecimento científico e psicológico, a maior
parte de nossas elites culturais aderiu ao novo entendimento de que a
homossexualidade não é nem um pouco antinatural. Depois de fazerem essa grande
descoberta, deveríamos nos surpreender com o fato de terem descoberto algo
ainda mais importante, ou seja, que o ateísmo também não é antinatural?
Imaginemos que o ateísmo passe
a predominar na sociedade. Isso causará algum dano significativo nas gerações
que virão? Aqueles que, ao longo da vida, acreditaram na existência de Deus
responderão que sim. Mas talvez este seja apenas um “preconceito” da nossa
parte. Temos, pois, bons motivos para temer o triunfo do ateísmo?
Sugiro dois: por um lado, se
Deus não existe, então a moralidade humana não tem fundamento divino; mas, se
não possui fundamento divino, deve ter um fundamento exclusivamente humano. A
moralidade terá de ser reconhecida como algo criado exclusivamente pelo homem.
Ora, se é algo feito apenas pelo homem, então pode ser modificado por ele de
forma súbita e radical. O que ontem se considerava mau (o assassinato, por
exemplo) poderá, hoje, ser considerado bom. É claro que facilitaremos essa
transição usando nomes suaves. Não chamaremos assassinato de “assassinato”.
Chamaremos de aborto, eutanásia ou de qualquer outro nome suave que possamos
encontrar.
Por outro lado, se Deus existe
(ao menos o Deus racional no qual sempre creram a teologia e a filosofia
ocidentais, em oposição ao Deus um tanto arbitrário do islamismo), então faz
sentido crer que a natureza, criatura de Deus, é inteligível; que a natureza
pode ser compreendida pela razão humana. Se nos livrarmos desse Deus racional,
também nos livraremos da Criação racional. Abriremos as portas para crenças arbitrárias
(por exemplo, a de que um homem se torna mulher apenas por sentir-se assim).
Abriremos as portas para as mais selvagens superstições. As pessoas serão
incentivadas a crer em qualquer coisa de que gostarem.
Não me agrada a ideia, por ser
já um homem velho, de que, em breve, terei de deixar o espetáculo terrivelmente
interessante da história humana. Outras vezes, no entanto, agradeço a Deus por
saber que não serei espectador do colapso total de nossa outrora magnífica
civilização.
Professor David Carlin - Fonte: padrepauloricardo.org
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