Neste Domingo da Epifania, celebramos a manifestação de Cristo aos três reis magos. Guiado por "uma luz humilde, como faz parte do estilo do Deus verdadeiro", o pequeno grupo bate à porta de Belém, avistando "o menino com Maria, sua mãe". Diz a leitura que "ajoelharam-se diante d’Ele, e O adoraram." A cena nos revela a face missionária de Deus. Mas, neste caso, trata-se de uma missão às avessas, uma vez que já não é o missionário quem leva Cristo ao homem, mas é o homem que, através da estrela, vai até Cristo para adorá-Lo na carne, em Sua humanidade.
Aqui, então, se apresenta aquela famosa citação d’As Confissões de Santo Agostinho: "Tu mesmo que incitas ao deleite no teu louvor, porque nos fizeste para ti, e nosso coração está inquieto enquanto não encontrar em ti descanso". Deus nos chama. Todos nós, por mais pecadores que sejamos - cristãos e não-cristãos -, estamos naturalmente inclinados para o Criador. Desejamos a salvação eterna, mesmo que, muitas vezes, a procuremos no lugar errado.
O fato de serem pagãos, com efeito, não impede aqueles magos de reconhecerem no pequeno menino envolto em faixas o rei que lhes havia de nascer. Pelo contrário, prostram-se para adorá-Lo, dando-Lhe como presente "ouro, incenso e mirra". Eles adoram o Verbo Encarnado, o Deus que se fez homem para nos redimir de toda falta e toda culpa. A Solenidade da Epifania recorda-nos, por sua vez, que o único lugar onde, de fato, podemos encontrar Deus nesta Terra é na humanidade de Jesus. É algo de grande importância para a nossa fé, sobre o qual devemos insistir e meditar repetidas vezes - mormente nestes tempos em que a separação entre o Cristo histórico e o Jesus da fé é promovida a olhos vistos, mesmo dentro da Igreja. A troco de uma suposta paz duradoura, em que se haja um único governo mundial e, obviamente, uma única super religião, não são poucos os que se propõem a jogar fora a verdade de nossa fé. À revelia do depósito Sagrado da Doutrina Cristã, esses novos patronos da razão esclarecida jogam toda sorte de dúvida sobre a natureza humana e divina de Cristo, ressuscitando nos dias de hoje o antigo fantasma da heresia gnóstica.
Durante séculos, a Igreja precisou se manifestar contra essa tentação perniciosa em que se concebe um fé cristã desencarnada - sem necessidade da Igreja e dos sacramentos -, e alimentada por supostas experiências místicas e "encontros pessoais". Nesta seara, lutou bravamente Santa Teresa de Jesus. Conforme relatos de seu Livro da Vida, a santa de Ávila teve de lidar com certos "entendidos e letrados" que, absurdamente, advogavam a devoção à humanidade de Nosso Senhor Jesus Cristo como coisa de iniciantes. Para estes, a espiritualidade das almas "evoluídas" deveria ir para Deus; a frequência aos sacramentos era posta de lado, julgava-se coisa obsoleta. Não obstante, contrariando aqueles ideais, Santa Teresa diz às claras que a devoção à humanidade de Jesus consiste em algo fundamental para qualquer cristão, de qualquer época e em qualquer lugar. E foi assim que ela introduziu entre os carmelitas a fé no Verbo Encarnado. É famoso o episódio em que, subindo as escadarias de seu carmelo, a santa encontra um menino e ele lhe pergunta: - "Quem é você?" - ao que ela responde: - "Eu sou Teresa de Jesus, e você?": - "Eu sou Jesus de Teresa".
No capítulo 26 do livro de Caminho de perfeição, procurando explicitar através das imagens a necessidade dessa fé no Cristo encarnado, Santa Teresa D’Ávila diz:
"[...] Assim, irmãs, não vos julgueis para tão grandes trabalhos, se não sois para coisas tão poucas; exercitando-vos nestas, podereis chegar a outras maiores. O que podeis fazer para ajuda disto é procurar trazer uma imagem ou retrato deste Senhor que seja a vosso gosto, não para trazê-lo no seio e nunca para ele olhar, mas para falar com Ele muitas vezes, que Ele mesmo vos ensinará o que Lhes haveis de dizer. Assim como falais com outras pessoas, por que hão-de faltar-vos mais as palavras para falardes com Deus?"
De igual modo, nesta Solenidade da Epifania, em que Jesus apresenta-se como o Deus feito homem, outra Teresa vem nos ensinar a como adorar o pequeno grande Menino Deus. Imitando a ação dos três reis magos de dar presentes a Jesus, Teresa de Lisieux, nos escritos de História de uma alma, apresenta-se também como presente ao menino, mas não como "ouro" ou "mirra"; como um brinquedo sobre o qual Jesus possa ter total domínio e autonomia. Nesta simplicidade, Santa Teresinha do Menino Jesus vem nos recordar que devemos nos entregar a Deus sem reservas e sem qualquer receio, como verdadeiros filhos que se submetem à vontade dos pais.
Rezemos a Deus para que, percorrendo os passos dessas duas grandes santas, possamos fazer-nos simples "brinquedos" em Suas mãos de pequeno e frágil menino.
Amém.
Fonte: Padre Paulo Ricardo
Fonte: Padre Paulo Ricardo
Comentários