Celebrar o Batismo do Senhor é ocasião oportuna para que nós renovemos o nosso próprio batismo. Qual a conexão que existe entre esses dois acontecimentos – entre São João Batista que derrama água sobre a cabeça de Cristo e o sacerdote que, um dia, nos batizou e por cujas mãos fomos introduzidos na Igreja?
A resposta está no que fez Jesus ao receber o batismo no Jordão: ali, Ele purifica as águas e, segundo Santo Tomás de Aquino, institui o novo Batismo (cf. S. Th., III, q. 66, a. 2), que mais tarde estará significado na água descendente do lado aberto de Cristo (cf. Jo 19, 34) e, por todos os tempos, será ministrado a todas as nações (cf. Mt 28, 19). O batismo de João não podia perdoar os pecados, era apenas um batismo de penitência; o Batismo de Cristo, sim, apaga os pecados, sendo, portanto, um ato extensivo da Sua paixão, instrumento que Cristo instituiu para redimir a humanidade.
Não se pode entender, porém, o que seja essa remissão, sem a infusão da graça (cf. S. Th., I-II, q. 113, a. 2). Quando uma criança é batizada, não é como se um anjo, portando uma caneta, riscasse da listinha do infante o pecado original, ou da lista de um adulto os seus pecados pessoais. O que faz os pecados serem apagados é uma realidade chamada graça santificante, que é infundida na alma batizada, convertendo-a de inimiga em amiga de Deus. Essa graça nada mais é que a comunhão com Ele, a participação na vida divina (cf. 2 Pd 1, 4), uma semente de vida eterna implantada em nossos corações.
A mínima porção de graça santificante na alma do mais pequeno recém-nascido – lembra o Doutor Angélico – é maior do que todo o universo criado: bonum gratiae unius maius est quam bonum naturae totius universi (S. Th., I-II, q. 113, a. 9). Com ela não pode conviver o pecado, que é a ofensa a Deus, pelo que não é possível que uma pessoa possua a graça e esteja, ao mesmo tempo, no pecado: ou se é amigo ou inimigo de Deus, tertium non datur. Por isso, assim como os mártires preferiram morrer a cometer um só pecado mortal, devemos também nós estar dispostos a qualquer coisa para permanecer na amizade de Deus e manter a graça santificante em nossa alma.
Mais do que isso, porém, é preciso fazer crescer e frutificar essa semente. Para tanto, são necessárias ação e oração, vida ativa e vida contemplativa, caridade e fé – realidades que alguns adeptos de certa "heresia da ação" procuraram cindir (cf. Menti Nostrae, n. 58), mas, que na verdade, são inseparáveis uma da outra.
Em primeiro lugar, é preciso fazer atos de amor cada vez mais intensos. Como para um atleta, cujo músculo não cresce se não for tensionado com pesos cada vez maiores, na vida da graça, quem não ama com cada vez mais fervor e generosidade vai pouco a pouco estagnando e caindo na rotina. Isso significa rezar com cada vez mais zelo a Liturgia das Horas; comungar com cada vez devoção Jesus na Eucaristia; recitar com cada vez mais atenção o Santo Terço etc. Para tanto, não se requer necessariamente que se aumente as horas de oração. Talvez isso seja necessário, mas o foco é aumentar o amor com que se fazem todas as coisas, até as mais pequenas.
Em segundo lugar, é importante rezar. O Evangelho de S. Lucas conta que foi "enquanto rezava" (v. 21) que "o céu se abriu e o Espírito Santo desceu sobre Jesus" (v. 22). Para o Aquinate, essa verdade é extremamente significativa:
"Depois do batismo, o homem precisa da oração constante para entrar no céu; pois, mesmo que os pecados sejam perdoados pelo batismo, permanece a atração ao pecado que nos ataca interiormente, e o mundo e os demônios que nos atacam exteriormente. Por isso, claramente diz o Evangelho de Lucas que 'depois de ter sido batizado Jesus, e enquanto orava, se abriram os céus', porque a oração é necessária aos fiéis depois do batismo." (S. Th., III, q. 39, a. 5)
Assim, pois, não cresce na santidade quem não tem vida de oração, porque a oração é o ato de fé, o "cabo" que põe o homem em união com Deus e ajuda a fecundar toda a sua vida.
Cabe dizer uma última palavra com relação à heresia da ação. Não existe oposição nenhuma entre a vida ativa e a vida contemplativa, porque, na verdade, aquela não passa de uma extensão desta. Não é possível ser apóstolo de Cristo senão estando em profunda sintonia e união com Deus. Não basta dizer que "Deus nos usa" porque, falando em sentido lato, até os demônios são usados por Deus para fazer brilhar a glória dos justos, por exemplo. O que importa é que sejamos instrumentos livres e conscientes em Suas mãos, como foi a Virgem Maria, entregando toda a sua vontade à d'Ele. Só assim seremos ministros de Cristo, exercendo o nosso sacerdócio batismal e galgando rumo à estatura de Cristo.
Fonte: Padre Paulo Ricardo
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