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"O que veio", "o que vem vindo"


Jesus Cristo é "o que veio", mas também "aquele que vem vindo". Esses dois aspectos não se contrapõem nem se anulam, antes, em sua eterna dialética, complementam-se, caminhando em uníssono para a "plenitude". 

Temos diante de nós um castelo medieval, assentado num rochedo quase inacessível. Nós o olhamos da planície: parece um navio. Observamo-lo do barranco: parece um ninho de águias. Se entramos em seu interior, é todo ruínas. Qual é o verdadeiro castelo? Todas as facetas ou enfoques do castelo são verdadeiros, mas incompletos. 

Jesus Cristo, sendo perfeito e acabado em si mesmo, é sempre para nós incompleto e inesgotável. Quando cair o pano da história, estará devidamente completo. Ou melhor, quando tiver chegado a sua plenitude, então vai cair o pano da história. Enquanto isso, a Igreja está sempre na etapa da adolescência, sempre em crescimento. 

Os que cruzaram com ele na metade da corrente voltarão com uma imagem original, sempre diferente. À medida que as diversas imagens forem se sobrepondo, a fotografia de Cristo irá ficando mais completa. Não há dúvida, por exemplo, de que a reflexão cristã do continente africano vai acabar trazendo matizes originais à figura de Cristo. Seguramente, um Cristo contemplado a partir do Terceiro Mundo vai oferecer um rosto diferente. 

Entretanto, nem as raças de olhar analítico, nem os povos de ancestrais adormecidos, nem os séculos iluminados conseguirão surpreender em sua totalidade a vastidão do mistério de Cristo. Nem mesmo espíritos de estatura estelar, como Francisco de Assis ou Teilhard de Chardin, com seus olhos assombrados, conseguiram abarcar as dimensões da inescrutável riqueza de Cristo. 

Nos primeiros séculos, para contrastar os efeitos da gnose, a Igreja, em sua contemplação cristológica, marcou o acento no Cristo Mestre. Séculos mais tarde, apresentou Cristo como Majestoso. Na Idade Média, como homem de dores, humano e irmão. Durante a Reforma Protestante insistiu no Cristo Salvador. Na época do apogeu absolutista, viu a Cristo como Rei, etc. 

Assim, no decorrer dos séculos, e de acordo com as características sociopolíticas e as necessidades de cada época, foram sendo resgatados novos traços extraídos dos poços insondáveis do mistério do Senhor. Cristo é anunciado, pois, em cada época destacando e enfatizando os perfis que respondem a situações ou tendências próprias da humanidade nesse momento.  

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Que aspectos do Cristo eterno deveremos acentuar agora para que os homens de hoje e de amanhã encontrem respostas para suas perguntas e sentido para suas vidas? É evidente que certos títulos, como Cordeiro de Deus, Messias, Filho de Davi... não dizem nada ao homem de hoje. A que rumos leva o escuro corcel da humanidade e para que abismos ela galopa? Quais são os sintomas de nossa cultura atual, quais se vislumbram na de amanhã para, de acordo com eles, apresentar o Cristo adequado e convincente? 

...

Há uns vinte anos que se fala insistentemente e se escreve analiticamente, especialmente na Europa, sobre uma cultura chamada pós-moderna. Trata-se de uma filosofia da vida que vai impregnando a sociedade em círculos concêntricos cada vez mais amplos. 

A cultura pós-moderna é a última consequência lógica de uma civilização que foi prescindindo de Deus a partir do Renascimento. Como consequência, o homem situou-se no centro. E, uma vez que o homem se descentrou de Deus e se centrou em si mesmo, a filosofia reduziu o mistério do homem à pura razão, substantivada e autônoma. 

Tendo convertido a razão em um absoluto, e tendo-se voltado o homem para si mesmo, que tinha de sobrevir necessariamente era a afirmação do eu sobre toda a realidade, identificando-se a razão e o ego. Consequências? A falta de solidariedade. Tudo carece de sentido último. É inútil perguntar pelas razões últimas. Na realidade, nada tem sentido. 

Desses postulados desencadear-se-ão consequências devastadoras para a ética, a pedagogia e a moral: uma ética anti-humana e não solidária, uma moral permissiva e sem uma última fundamentação objetiva. 

Pois bem, sem Deus, sem uma norma moral objetiva, perdido aquele valo último que integra e dá significação a tudo, a conclusão salta à vista: abrem-se de par em par as comportas do espontaneísmo, do subjetivismo,  da irresponsabilidade, do não levar nada a sério, do hedonismo, em uma palavra, do niilismo: nada tem sentido, nada vale a pena. 

É lógico que o guia da nova moral já não vai ser a lei, mas o desejo. Se o desejo é a lei suprema, é preciso evitar a todo custo o que é desagradável e esforçar-se para garantir o agradável. Tudo é permitido. Nada é proibido. É preciso dar rédea solta ao desejo em todas as suas manifestações, buscando o máximo desfrute da vida, como já disse antigamente: "Comamos e bebamos, pois amanhã morreremos". Numa palavra, é o império do com seus mil rostos. E o paganismo. Essa cultura pós-moderna vai abrindo passo decididamente, como estilo e norma de vida, por todas as partes, começando pela sociedade capitalista. 

Como dá para perceber, uma sociedade sem Deus acaba se convertendo numa sociedade contra o homem. Empreendemos uma viagem sem retorno para a região do vazio. Falta-nos oxigênio, e em algum ponto do caminho vamos ser invadidos pela asfixia: antes de morrer, já estamos mortos. Não dá para viver assim. Estamos entrando em um recinto povoado apenas por fantasmas. É preciso parar na beira do precipício antes que seja tarde. As serpentes assobiam no mesmo lugar onde cantam os pássaros, e a morte chama a morte. No final de tudo, fica só o nada, e corremos o risco de converter-nos em sombras de nossas próprias sombras. Pois bem, como romper esse cerco egoísta? Como sair desse círculo asfixiante? Que faceta do Cristo eterno será capaz de comover, seduzir e salvar o homem pagão de nossa sociedade pós-moderna, cujo distintivo principal é o egoísmo? Como se sabe, as leis do coração são organizadas e orientadas para o interior. Como conseguir que as forças que conaturalmente se dirigem para o centro orientem-se agora para fora, para o outro. Em última instância, uma mesma energia traduz-se em egoísmo ou amor conforme é canalizada para dentro ou para fora. 

A questão é uma só: mudar o rumo, dar uma revirada completa nas energias, fazer uma verdadeira revolução, a revolução do amor, que vai ter de percorrer necessariamente o caminho do martírio e da desintegração do eu. 

O Amor, que é Deus, passa substantivamente pela personalidade de um homem chamado Jesus, Deus-conosco. E esse homem foi, antes de tudo, um Pobre, totalmente despreocupado consigo mesmo para preocupar-se só com os outros. Numa sociedade classista, tomou partido pelas marginalizados, e numa sociedade puritana, pelos que estavam fora da lei. Em outras palavras: Deus-Amor, encarnado neste Pobre de Nazaré, esvaziado de si mesmo, desapropriado de seus próprios interesses em proporções heroicas, convertido no homem-para-os-outros-homens, o homem essencialmente aberto para os outros, o Disponível, integralmente dedicado ao serviço dos outros... Jesus, "é", como já dissemos, o caminho que vai da pobreza ao amor. Esse é o Cristo capaz de cativar e salvar o homem da sociedade pós-moderna. 

Se o Pobre de Nazaré se propôs vir a ser o "homem para os homens", precisou realizar dentro de si mesmo uma inversão de forças e instintos, já que todo homem é conaturalmente burguês, inclinado para si mesmo e buscador de seus próprios interesses. Teve de chegar a ser um Pobre porque só um pobre pode optar verdadeiramente pelos pobres. 

Depois de o rumor de nossos passos ter surgido no tempo, e depois que o tempo chegou a seu zênite, Cristo fez-se presente no tempo e, renunciando às vantagens de ser Deus, submeteu-se a todas as desvantagens de ser homem, e uma vez reduzido a nossa estatura desceu a níveis infra-humanos. 

Rebaixado ao nível desses abismos, afundou ainda mais, até tocar o extremo, o pó do nada, negando seu próprio instinto de viver em obediência amorosa ao Pai, cuja vontade tinha permitido ou disposto que o Filho amado desaparecesse nas ruínas da catástrofe, submisso e obediente até a morte, e morte de cruz. 

Foi aqui que a Liberdade levantou triunfalmente sua cabeça coroada de luz. Negando a si mesmo, Cristo transcendeu a si mesmo. Isto é, negando-se fez em seu ser um enorme vazio, e esse vazio foi para ele o espaço de liberdade que lhe permitiu ser o homem para os outros homens. Porque foi livre, foi disponível. E, estando disponível, pôde ser o servidor do Pai e dos irmãos. Da pobreza ao amor. 

Reiteramos mais uma vez: essa amorosa entrega à vontade do Pai cavou no chão de Jesus um vazio infinito e o converteu em um território inteiramente livre. Através desse vazio, como através de um túnel, realizou-se a projeção e a comunicação do Deus Amor na história dos homens. E esse túnel, esse vazio absoluto de si e pleno de Deus tem um nome: Jesus de Nazaré. Este é o compêndio de uma história única e que não se repete, a da encarnação, morte e ressurreição de Jesus Cristo.

Esta é a Resposta para hoje e amanhã. 

Na voragem do egoísmo desolador, no caminho que vai do prazer à morte, ameaçados como estamos por um naufrágio de valores, na iminência de um suicídio que pode ser coletivo, Cristo levanta-se, no meio do pó e das ruínas, como coluna de luz e como Resposta. Como o único capaz de consolidar e integrar os ossos desarticulados. E, por esse caminho de ressurreição, ele é o meteoro senhorial disparado pelos espaços e eternidades como flecha de esperança. 

Jesus Cristo, eis a Solução, ontem, hoje e amanhã. 

Ele é o único que pode arrebentar, por meio da revolução do amor, a velha ordem, esse torre construída, amalgamada e coroada pelas incontáveis filhas do egoísmo. Até mais: essa revolução do amor não só pode levantar e impulsionar um mundo novo por trajetórias otimistas como também - e isto é o mais importante - Cristo é o Único que pode descer até os abismos de nossos medos, como por magia, encarnar nosso "horror do vazio". 

Trecho retirado do livro "O Pobre de Nazaré", de Ignacio Larrañaga  


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