Cardeal Comastri: João Paulo II transformou sua cruz em amor
“Muitos não acreditam mais na meta da vida, vivem a
dor com desespero porque não veem nada além da dor”. Testemunho do cardeal
Angelo Comastri, sobre São João Paulo II, no 15º aniversário da sua morte
Alessandro Gisotti - Cidade do
Vaticano
Passaram 15 anos da morte de João
Paulo II. Serão inesquecíveis para sempre os dias que marcaram a passagem de
São João Paulo II à Casa do Pai. Faleceu depois de uma longa doença vivida com
um testemunho cristão que atraiu não só os crentes, mas também pessoas afastadas
da Igreja. Pedimos ao cardeal Angelo Comastri, vigário geral do Papa para o
Estado da Cidade do Vaticano, para nos falar sobre o ensinamento que o Papa
polonês pode nos dar nos dias de hoje.
Cardeal Comastri, no dia 2 de abril
de 15 anos atrás, depois de uma longa doença vivida oferecendo um
extraordinário testemunho, falecia São João Paulo II. O que pode nos oferecer a
vida e o exemplo deste Santo neste dramático contexto de emergência por causa
do Coronavírus?
Card. Comastri: O avanço da epidemia, o aumento do número de
contagiados e o boletim diário com o número de mortes encontrou uma sociedade
impreparada e colocou à luz o rosto espiritual de muitas pessoas. O jornalista
Indro Montanelli, pouco antes de falecer, fez uma declaração lúcida e honesta:
“Se devo fechar os olhos sem saber de onde venho e para onde vou e o que vim
fazer nesta terra, valeria a pena ter aberto os olhos? Esta é minha declaração
de fracasso!”. Estas palavras do jornalista Montanelli demonstram a situação de
uma parte da sociedade atual. Também por isso, a epidemia assusta: porque para
muitas pessoas a fé já se apagou. João Paulo II era um crente, um crente
convicto, um crente coerente e a fé iluminava o caminho da sua vida.
Apesar dos sofrimentos que passou e
da longa doença, João Paulo II dava sempre a sensação de ser um homem de paz e
cheio de alegria…
Card. Comastri: João Paulo II sabia que a vida é uma
caminhada na direção da Grande Festa: a Festa do abraço de Deus, o
Infinitamente Feliz. Mas devemos nos preparar para o encontro, devemos nos
purificar para estarmos prontos para o encontro, temos que eliminar as reservas
de orgulho e de egoísmo que estão em nós, para poder abraçar Aquele que é Amor
sem sombras. João Paulo II vivia o sofrimento com este espírito. E mesmo nos
momentos mais difíceis (como o do atentado) nunca perdeu a serenidade. Por quê?
Porque tinha sempre diante de si a meta da sua vida. Hoje são poucos os que
acreditam na meta da vida. Por este motivo vivem a dor com desespero: porque
não veem nada além da dor.
João Paulo II sempre encontrou nas
experiências de sofrimento e de dor, uma dimensão de esperança, de ocasião
especial de encontro com o Senhor. Uma comprovação é a Carta Apostólica
“Salvifici Doloris”. O senhor nos daria uma sua reflexão sobre este particular
carisma do Papa polonês?
Card. Comastri: A dor, sem dúvida, causa medo a todos, mas
quando se é iluminado pela fé, ela se torna um desbastamento do egoísmo, das
banalidades e das futilidades. E tem mais. Nós cristãos vivemos a dor em comunhão
com Jesus Crucificado: agarrados a Ele, preenchemos a dor com o Amor e o
transformamos em uma força que contesta e vence o egoísmo ainda presente no
mundo. João Paulo II foi também um verdadeiro mestre da dor redimida pelo Amor
e transformada em antídoto do egoísmo e em redenção do egoísmo humano. Isso só
é possível abrindo o coração a Jesus: só com Ele se entende e se valoriza a
dor.
Este ano, por causa da emergência
atual, teremos uma Páscoa “inédita” por causa das medidas impostas contra o
contágio. A última Páscoa de João Paulo II também foi marcada pela doença e
pelo isolamento. Ainda assim deixou a todos uma lembrança inesquecível. Que
ensinamentos podemos obter da última Páscoa de João Paulo II, considerando o
que acontece hoje?
Card. Comastri: Todos recordamos da última Sexta-feira Santa
de João Paulo II. A cena que vimos pela televisão foi inesquecível: o Papa
quase sem forças, segurando o Crucifixo em suas mãos, olhava-o com amor total e
se intuía que dizia: “Jesus, eu também estou na cruz, mas junto contigo espero
a Ressurreição”. Todos os santos viveram assim. Limito-me a recordar de
Benedetta Bianchi Porro, que ficou cega e surda e paralisada por causa de uma
grave doença e morreu serenamente em 24 de janeiro de 1964. Pouco tempo antes,
teve a força de ditar uma maravilhosa carta para um jovem com deficiência e
desesperado que se chamava Natalino. Eis o que saiu do coração de Benedetta:
“Querido Natalino, como você, tenho 26 anos. O leito é a minha morada. Há
alguns meses estou também cega, mas não desesperada, porque sei que no fim do
caminho Jesus me espera. Querido Natalino a vida é uma passarela que
atravessamos rapidamente: não construímos nossa casa sobre uma passarela, mas a
atravessamos segurando a mão de Jesus para chegar à Pátria” João Paulo II
seguia este tipo de pensamento.
Neste período marcado pela pandemia,
todos os dias vemos ao vivo no Vatican News e na mídia que transmite, muitas
pessoas que se unem em oração para rezar o Angelus e o Terço. Isso nos faz
lembrar de João Paulo II que era muito ligado a Maria desde seu brasão
episcopal…
Card. Comastri: Sim, João Paulo II tinha no seu brasão, como
lema as palavras: Totus Tuus Maria. Por quê? Nossa Senhora estava
ao lado de Jesus no momento da Crucificação e acreditou que era o momento da
vitória de Deus sobre a maldade humana. Como? Através do Amor que é a Força
Onipotente de Deus. E Maria, pouco antes que Jesus consumisse o Seu Sacrifício
de Amor na Cruz, escutou as significativas palavras que Jesus lhe dirigiu:
“Mulher, este é o seu filho!”. Isto é: “Não pense em mim, mas pense nos outros,
ajude-os a transformar a dor em amor, ajude-os a acreditar que a bondade é a
força que vence a maldade”. A partir daquele momento, Maria se preocupa conosco
e quando nos deixamos guiar por ela estamos em mãos seguras. João Paulo II
acreditava nisso, e confiou em Maria e com Maria transformou a dor em ocasião
de amor.
Há alguma última recordação, uma
palavra que João Paulo II lhe dirigiu e que há 15 anos de distância gostaria de
compartilhar como sinal de esperança para as muitas pessoas que sofrem, que
amaram e continuam a amá-lo?
Card Comastri: Em
março de 2003, João Paulo II me convidou para pregar os Exercícios Espirituais
à Cúria Romana. Ele também participou aos Exercícios Espirituais com exemplar
recolhimento. No final dos Exercícios, me recebeu com muita bondade e me disse:
“Pensei em lhe presentear com uma cruz igual à minha”. Eu brinquei sobre o
sentido duplo da palavra e disse a João Paulo II: Santo Padre é difícil que o
senhor possa me dar uma cruz igual à sua…”. João Paulo II sorriu e me disse:
“Não… a cruz é esta” e me indicou uma cruz peitoral que queria me dar. Depois
acrescentou: “O senhor também vai ter a sua cruz: transforme-a em amor. Esta é
a sabedoria que ilumina a vida”. Nunca mais esqueci deste maravilhoso conselho
que me foi dado por um Santo.
Fonte: Vatican News
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